A Nossa Arte

Ao aceitar o desafio para pensar e executar o ambiente plástico deste restaurante, o Kaki & Kobe, foi minha preocupação envolver todo o espaço interior, espelhado nas suas paredes, num contexto temático que retratasse o multiculturalismo social e religioso das origens do Japão, homenagem a muitas das lendas e mitos seculares, de que seu povo é depositário, e que a sua comida e tradições gastronómicas aqui os seus clientes irão encontrar.

Com recurso a desenhos de traço simples, procurei levar as pessoas a identificarem alguns dos ambientes seculares do Japão, o país do Sol Nascente, que em momento algum se identificam com os tradicionais temas chineses, tendo a sua própria génese e um estilo assente na mitologia específica desse povo.

Retratei a figura dos monges, nas suas peregrinações matinais, onde tinham por hábito caminhar, junto das casas dos leigos, em grupos ou individualmente, usando chapéus de bambu, perneiras brancas, sandálias de palha e um sino, carregando uma tigela ao pescoço para coletar as ofertas, normalmente de arroz ou dinheiro. A tigela vazia que transportavam simbolizava a vida interior de cada um, a sua existência no estado mais puro, e que, para se manter necessitaria de alimento, razão pela qual, em troca dessas esmolas os monges doavam ensinamentos, praticando a humildade, a modéstia e permitindo aos doadores gozarem de conforto espiritual e obterem felicidade com este seu ato generoso.

A vida que temos e conhecemos mais não é do que o resultado da nossa vivência e das opções que nela fazemos, e a figura das “carpas” e o seu aquário representa para os japoneses a fartura que é possível obter à mesa se pautarmos o nosso caminho com positivismo e transparência de sentimentos, num constante esforço de aperfeiçoamento espiritual.

Encontram-se registos, pelo menos a partir do século IV, da estreita convivência das raposas com os humanos, lendas corporizadas pela personagem mais popular do folclore japonês a “Kitsune” onde esta representa sempre a sabedoria e inteligência para atravessar a vida e contornar todos os obstáculos. Também nós, ocidentais, encontramos na raposa e na sua forma de se comportar um padrão de sabedoria, reduzindo tal realidade ao comum provérbio “esperto como uma raposa “. Razão pela qual, nesta minha criação não podia faltar a raposa.

Mas não só a raposa tem significado e um papel de relevo no folclore japonês, também o esquilo (Tanuki) é um personagem acarinhado desde tempos imemoriais. Caracteriza-se por ser alegre e um mestre no disfarce. Ele é uma criatura mística, travessa, alegre, e amuleto de boa sorte e de prosperidade, transmitindo grande avidez pela comida e bebida em especial de saquê, fama que o levou a estar presente nas portas de inúmeros restaurantes tradicionais japoneses.

As árvores, especialmente as cerejeiras, são elementos sempre presentes nas representações plásticas ancestrais do Japão, representando a harmonia da natureza, a felicidade e, acima de tudo, a tranquilidade espiritual que a sua sombra e flor permitem alcançar.

Por fim, o desenho da ave sagrada japonesa, o “Grou”, (grou-do-japão), que simboliza para os japoneses a paz, a vida longa e a figura feminina, não poderia faltar neste trabalho.

A sua serenidade, rodeada pela natureza, com elegantes vestes, em homenagem a todas as mulheres, sejam orientais ou ocidentais, conclui este conjunto artístico que, juntamente com a delicadeza, o primor e a frescura dos alimentos que podem ser desfrutados neste espaço permitirá uma viagem dos sentidos que se espera única e memorável.

Rosário O’Neill (artista plástica)